segunda-feira, 10 de junho de 2013

A delicada relação entre religião e saúde

Na entrevista abaixo, Claudio Luiz Lottenberg, oftalmologista e presidente do Hospital Israelita Albert Einstein, comenta sobre os diferentes conceitos de morte, a relação dos judeus com a saúde, o desafio das doenças crônicas e a importância da espiritualidade para a qualidade de vida das pessoas. O médico também fala sobre uma espécie de preconceito da classe médica em repercutir essas questões. Confira:
A religião pode influenciar na saúde das pessoas?

A religião talvez seja um exercício importante para estimular as mecânicas da fé, embora ela não necessariamente derive apenas da religião. Eu acredito que a fé, como sentido construtivo, positivista, atua na estruturação psicológica e tem um papel importante, já documentado cientificamente. Eu não diria que a religião por si pode influenciar na saúde, mas a fé pode ter aspectos positivos que oferecem mais equilíbrio e bem-estar, além de uma recuperação mais rápida e objetiva.

As religiões têm conceitos diferentes sobre a morte. Elas mudam a relação das pessoas com a saúde?

As religiões são muito claras nas relações com doenças. Constantemente fazem comentários a respeito de hábitos alimentares, circuncisão, utilização de álcool. E isso tem um impacto importante na qualidade e no padrão de vida das pessoas. A grande questão é tentar explicar alguns fenômenos que a gente sabe que existem, mesmo sem saber como e porquê. De qualquer forma, eles estão ali documentados.

Os judeus se relacionam com a saúde de uma forma diferente?

Eu não colocaria desta forma, mas a tradição judaica é rica em exemplos. A comida kasher é um deles. Não se come carne de porco. Por quê? Porque os métodos de conserva não eram bons para aquela época. Os judeus também não misturam determinados tipos de alimentos, porque a digestão acaba sendo prejudicada. E os judeus fazem a circuncisão. Já se tentou discutir muitas vezes sobre a razão de fazermos isso. O que a gente sabe é que mulheres judias têm muito menor incidência de câncer de colo uterino do que mulheres não judias. Isso está relacionado à circuncisão. Então eu diria que existem hábitos judaicos que interferem na questão da saúde, mas não necessariamente os judeus se relacionam diferentemente com ela.

Qual a relação entre espiritualidade, religiosidade e qualidade de vida.

Uma das filosofias do hospital é o "Planetree" e um de seus pilares é a religiosidade, que é diferente de espiritualidade, embora esses conceitos sejam muito próximos e confundam a comunidade leiga. Neste cenário, está implícito que o Hospital Israelita Albert Einstein acredita que esses elementos contribuem para recuperações mais rápidas e com mais qualidade. Para nós, essas questões devem virar referência, mas é claro que ainda falta uma base científica formal.

O custo do tratamento de pessoas com apoio religioso é menor?

Existem estudos que mostram que pacientes terminais que receberam suporte religioso tiveram um custo de tratamento menor do que os que não tiveram. Muito possivelmente, em determinadas circunstâncias, a diferença está muito mais na fé, na crença e no suporte que deriva da religião, do que propriamente em remédios caros.

O senhor tem percebido nos pacientes uma necessidade maior por uma medicina mais afetiva e emocional?
Mais do que isso, percebi que ganhei um autocontrole maior na relação com eles desde que passei a entender desta forma. Tenho me sentido um médico melhor. Tenho entendido melhor a angústia de cada paciente. Uma coisa é sugerir uma conduta de tratamento para um paciente com uma doença. Outra coisa é dar a ele um suporte para conduzir o problema que tem. É interessante porque quando se consegue compreender as questões relacionadas à fé e à espiritualidade, o diálogo muda. Em mim, senti uma mudança muito grande.

O senhor vê alguma relação entre doenças crônicas e religiosidade?

Doenças crônicas são o grande desafio da sociedade contemporânea. Hoje a pessoa deixa de funcionar dez anos antes de morrer propriamente.

A ideia é que um dia o indivíduo pare de funcionar somente no dia em que ele realmente morrer. Entender determinadas doenças, como o Alzheimer, colaborar com o indivíduo que tem insuficiência cardíaca ou insuficiência pulmonar, por exemplo, torna-se cada vez mais importante. A relação dessas atividades com as doenças crônicas vai exigir da sociedade um esforço muito grande e um dispêndio econômico enorme. Se conseguirmos encontrar maneiras de contribuir para minimizar estes problemas e oferecer à população mais acesso aos serviços de saúde, estaremos fazendo algo muito importante para a saúde pública, que é a equidade. Além disso, acho que a fé e a religiosidade também podem fazer a diferença na vida de pessoas com doenças crônicas.


Publicado no portal do HIAE
Alef

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